Eu digo NÃO!

Em defesa da língua portuguesa, o autor deste blogue não adopta o "acordo ortográfico" de 1990 por este ser inconsistente, incongruente e inconstitucional, para além de, comprovadamente, ser causa de crescente iliteracia em publicações oficiais e privadas, na imprensa e na população em geral.


13/10/2009

Arte Mistério

aqui postei uma mensagem relacionada com a figura ímpar que foi Domingos "Mistério", Domingos Gonçalves Lima. Consagrado e respeitado artesão que, embora tenha nascido em Galegos (São Martinho), desde muito cedo se fixou em Galegos (Santa Maria) e aqui deixou fama e descendência que lhe perpetuam o arte e nome.
Sua mulher, Virgínia, e os dois filhos, Francisco e Manuel, são o rosto e a certeza de que a marca "Mistério" não acabará tão cedo.
Bom mestre, bons discípulos:
Domingos "Mistério" transmitiu a arte à mulher e aos filhos. No dicionário, mistério é um fenómeno secreto, escondido, de significado oculto, cujas causas não são explicáveis. No panorama da arte popular, Mistério – com letra maiúscula – refere-se a uma das famílias mais conceituadas do típico figurado barcelense. A alcunha surgiu com Domingos Gonçalves Lima, o menino franzino e débil que sobreviveu, sabe Deus como. O apelido pegou, tornou-se uma das maiores referências do artesanato local e da olaria tradicional portuguesa.Do rancho de doze filhos, gerados por Domingos “Mistério” e Virgínia Coelho Esteves, chegaram a trabalhar seis todos juntos, no início dos anos oitenta, uma “época de ouro” para a família. Resistiram a viver longe do barro, apenas Francisco, de 44 anos, (que chegou a emigrar para os Estados Unidos, mas depressa regressou às origens), e Manuel, de 47 anos. Os restantes irmãos com jeito para a olaria procuraram modos de vida mais rentáveis do que o artesanato. Da geração seguinte, também alguns elementos demonstraram capacidade artística, só que o ofício não garantia um futuro risonho. “Temos sobrinhos com jeito, que gostavam de modelar o barro, mas aperceberam-se que isto não dá para viver”, lastimou Manuel, que sempre gostou do ofício. “Desde puto que gostava de repetir as figuras que o meu pai fazia. Podiam não ficar iguais, mas ficavam muito parecidas”, contou com uma vaidade compreensível. Já Francisco achava que o estavam “a empurrar para o barro” - hoje é a sua principal fonte de rendimento. Nascidos no meio do barro, ambos herdaram o génio criativo e o estilo inconfundível encetado pelo pai, na década de trinta. Com a mesma forma de estar, imortalizam em barro o nome “Mistério”. Claramente fiéis a uma linguagem artística peculiar, também vão arriscando criações originais, porque o mercado assim o exige: “Temos que estar a criar sempre coisas novas, porque a arte é isso mesmo, é tornar tudo possível”. De vez em quando enveredam pela crítica aos costumes e à sociedade, um registo mais ao jeito de Manuel. “É o mais arrojado”, reconheceu Francisco. Das suas mãos já nasceram diabos burlescos, a Ceia dos Diabos, um Santo António a andar de bicicleta, de skate ou de trotinete.
Longe dos olhares indiscretos:
Pela oficina, no lugar de Santo Amaro, já passaram muitos espanhóis, franceses, holandeses, ingleses, italianos e, de paragens mais longínquas, russos, americanos, japoneses e brasileiros.Habituados desde pequenos a contactar com turistas e jornalistas de todo o mundo, Francisco e Manuel não gostam de protagonismo nem de mediatismo e procuram viver, tanto quanto possível, longe dos olhares públicos. Dizem que “não faz parte” da sua personalidade.Feiras e exposições também não são o seu forte. Em termos de negócio, “não vale a pena participar, pois vende-se pouco”, explicou Manuel. “Vende-se melhor em casa”, completou o irmão, enquanto modela mais um mocho em miniatura, para juntar aos restantes que fez enquanto esteve à conversa com o Barcelos Popular.
Domingos "Mistério" - Na tribuna de honra:
Domingos Gonçalves Lima, popularmente conhecido como Domingos “Mistério”, nasceu em Galegos S. Martinho, a 29 de Agosto de 1921. O apelido herdou-o ainda bebé, dada a sua compleição física. Consta que só começou a dar os primeiros passos aos três anos de idade, devido à sua frágil musculatura. Delicado, em criança, robusto, trabalhador e de uma imaginação prodigiosa, em adulto, Domingos “Mistério” foi um dos artesãos mais conceituados da sua época. Foi criado por Rosa Gonçalves Lima, avó materna (era filho de mãe solteira), em Galegos Santa Maria. Foi com ela e com a tia Teresa “Carumas”, ambas barristas, que aprendeu a trabalhar no barro. Enquanto principiante da arte, ajudava na modelação de pequenas peças de figurado para vender na feira de Barcelos. Com doze anos, já criava os seus próprios trabalhos, simples e incipientes, mas com grande aceitação junto do público. Cedo foi vender para as feiras, primeiro como empregado, depois, por conta própria. Casou com Virgínia Coelho Esteves, em Março de 1944, união que resultou em doze filhos, oito raparigas e quatro rapazes. Todos ajudavam nas lides cerâmicas - o sustento da família -, mas apenas Francisco e Manuel mantêm viva a marca “Mistério” e o interesse pelo artesanato figurativo. Matanças do porco, juntas de bois, animais, santos populares, músicos, alminhas, presépios, diabos, pombais, apitos e rouxinóis são alguns exemplos de peças elaboradas pelo barrista, que, no total, conta com um espólio de centenas de modelos diferentes. Foi premiado, em 1983, com o primeiro prémio no III Salão de Artesanato do Casino Estoril, com a peça “Procissão Minhota”, que, ao todo, incorporava 65 figuras. Faleceu a 24 de Março de 1995, com 73 anos, deixando para a posteridade um estilo inconfundível e um legado artesanal invejável.
Mãos incansáveis:
Mulher, esposa, mãe de um “regimento” de doze filhos e trabalhadora nata. Aos 84 anos de idade, Virgínia Coelho Esteves, nascida a 22 de Maio de 1924, em Galegos Santa Maria, mantém o mesmo espírito comunicativo e entusiasta. Acompanhou durante décadas o marido, Domingos “Mistério”, no ofício que o catapultou para a galeria dos notáveis da olaria tradicional portuguesa. Mesmo limitada - porque a idade não perdoa -, continua a trabalhar junto dos descendentes, um regalo que lhe enche o coração não só de alegria como de orgulho. “Gosto de estar na oficina a pintar, é o que sei fazer melhor. Nunca tive jeito para o barro, deixo essa tarefa para os meus filhos”, herdeiros da arte e do talento do mestre, asseverou. Respeitável senhora octagenária, não se incomoda em dividir os louros do êxito do figurado “Mistério”, aquém e além fronteiras. Mãos enrugadas, sábias e impiedosas que continuam a pintar com a mesma doçura com que embalaram os filhos no regaço.
"Labuta e serás mestre":
O adágio popular “labuta e serás mestre” encaixa que nem uma luva no historial da arte Mistério. Domingos “Mistério” aprendeu o ofício do barro, praticou-o dias a fio e tornou-se mestre em artesanato figurativo. Mais: foi criador de um estilo inconfundível, de uma marca própria, que agora tem continuidade no trabalho dos filhos Manuel e Francisco, fiéis seguidores desta tipologia de figurado.Os olhos esbugalhados e os narizes acentuados são, de facto, uma das particularidades do labor artístico do clã. A forma dos bigodes, as orelhas excepcionalmente grandes e a delgadeza das peças também são distintivos a considerar quando se trata de apreciar as obras com assinatura “Mistério”. Em termos de temáticas, o quotidiano, o mundo rural e as crenças religiosas são, sem dúvida, os temas privilegiados, em ambas as gerações. De resto, a pintura – que continua a cargo de Virgínia “Mistério”– confere um toque especial aos trabalhos. As cores utilizadas são variadas e possuem um brilho esbatido, características impostas pela octagenária. Autor: Filipa Oliveira - Barcelos Popular (02 de Outubro de 2008)

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